segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O embraquecimento histórico do Egito antigo


or: Alunos: Pedro Alvarenga e Thayná Trindade
Postagem: 09:30 12/04/2016


O embraquecimento histórico do Egito antigo

INTRODUÇÃO

O poder e construção de memória coletiva dos veículos de massa é incalculável. Os textos, falas e sobretudo as imagens produzidas pela máquina midiática capitalista ocidental literalmente construíram toda a percepção de mundo do sujeito contemporâneo. Por isso países como os Estados Unidos da América dão tanta importância e poder aos grupos midiáticos. A imprensa e a indústria do entretenimento (não que hoje em dia ainda haja algum tipo de diferença entre as duas) é conhecida como o terceiro poder. Mas que essa ordem não seja entendida como de grandeza ou influência. Não raro o poder da mídia extrapola a legalidade dos poderes democráticos.
O problema que intentamos em tratar passa por um dos pontos mais sensíveis da historiografia: A percepção história como uma construção contemporânea. O trabalho de um historiador é, entre tantas outras funções, criar narrativas que representem a visão de um povo em determinada época sobre determinado acontecimento, objeto, ou sociedade de outra época e local. Mas esse recorte essencial é, na maioria das vezes, ocultado pela própria narrativa historiográfica e tende a se colocar como verdade. Isso no campo da pesquisa acadêmica. No campo da mídia a questão é ainda mais grave. A indústria do Cinema norte americana produziu em um século mais distorção na percepção histórica do ocidente do que toda a escrita etnocêntrica dos quinze séculos anteriores. E tudo isso sob a chancela de “produto de entretenimento”.
Na lógica da dominação cultural, é importante que a cultura que se impõe elimine a possibilidade de resistência do outro eliminando tudo que possa ilustrar sua visão de mundo, sistema social e, mesmo sua identidade.
O caso do povo egípcio, nosso objeto de estudo, é um dos maiores exemplos desse processo de apagamento e falseamento da existência histórica de toda uma sociedade. Sendo impossível negar a existência do povo egípcio e sua sociedade extremante complexa e rica tecnologicamente, resta roubar suas descobertas e fazer com que a imagem que se tem deles não seja tão diferente da imagem que os europeus (desde os romanos) tinham de si mesmos.
Foram os antigos egípcios que inventaram, entre milhares de outras maravilhas tecnológicas, uma das primeiras mídias portáteis do mundo, o papiro. Não por caso Alexandria tinha uma das maiores bibliotecas do mundo antigo – destruída num incêndio que até hoje geram controvérsia entre os historiadores, mas cuja versão mais popular da narrativa diz ter sido proporcional, logo pós a conquista da cidade pelos árabes em 642 d.c. Mas os livros de história ocidentais nos dizem que Calímaco, um grego, foi o responsável por criar o primeiro sistema de catalogação de arquivos, muito similar ao adotado por Roma e por todo o ocidente moderno. Esse sistema, na realidade, é apenas uma adaptação do que era usado na biblioteca de Alexandria, cidade visitada por Calímaco.
A imagem do Egito antigo que temos no senso comum do ocidente contemporâneo é tão artificial que uma criança dificilmente associa o Egito ao seu continente, a África. Aliás, que eu me lembre de colégio, a história do Egito é ensinada em separado da história do resto da África (quando essa é ensinada).
O povo do Egito antigo era negro. Diversos textos antigos (gregos e árabes) assim os relatam. Na historiografia moderna porém, esses textos são ignorados. O processo de construção de uma imagem eurométrica do povo egípcio se dá de forma maquínica: Os relatos históricos apagam as menções à negritude dos egípcios; a arte, a literatura e a mídia ocidentalizam sua imagem (embranquecem a pele e normativizam suas relações sociais pelo padrão europeu); sua existência enquanto povo é dissociada da África.
O EGITO NEGRO
Cheikh Anta Diop (1923 – 1986), historiador, filósofo, antropólogo e político senegalês, foi o principal responsável por trazer a discussão da origem da raça e da civilização egípcias. Seu livro Nations nègres et culture: De l’antiquité nègre égyptienne aux problèmes culturels de l’Afrique Noire d’aujourd’hui (Nações negras e cultura: Da antiguidade negra egípcia aos problemas culturais da África negra de hoje, em tradução livre) publicado em 1954 e ainda sem tradução completa para o português, o autor argumenta, com base em diversos textos antigos (de autores bíblicos a documentos gregos), obras de arte egípcias de diversos períodos, análises comparativas (totemismo, circuncisão, realeza, cosmogonia, organização social, matriarcado – cada item em um capítulo), argumentos linguísticos (como, por exemplo, a existência de um termo próprio pelo qual o povo egípcio se representava, KMT, que significaria preto/do carvão), e estudos históricos e antropológicos sobre o povoamento da África a partir do vale do Nilo. Essa discussão ocupa todo a primeira parte do livro e não deixa dúvidas sobre a negritude do povo egípcio. Mas, mesmo sendo parte da coleção História Geral da África, o trabalho de Cheikh é academicamente sabotado em quase todo o mundo, como acontece com vários autores negros e terceiro-mundistas.
Cheikh já inicia seu texto com o argumento base de sua defesa da negritude do povo egípcio. Com base nas descobertas mais atuais da antropologia física nos anos 1950, o autor argumenta:
Portanto, se a humanidade teve origem nos trópicos, em tomo da latitude dos Grandes Lagos, ela certamente apresentava, no início, pigmentação escura, e foi pela diferenciação em outros climas que a matriz original se dividiu, mais tarde, em diferentes raças;  havia apenas duas rotas através das quais esses primeiros homens poderiam se deslocar, indo povoar os outros continentes: o Saara e o vale do Nilo.”
A aceitação da hipótese da origem monogenética da humanidade leva Cheikh a investigar o estabelecimento das primeira comunidades humanas ao redor do vale do Nilo e seu desenvolvimento até a formação da sociedade egípcia.
Figura 1 Um faraó da I dinastia egípcia. Segundo J. Pirenne, tratar-se-ia de Narmer, o primeiro faraó da História. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XVI.)
Após apresentar uma longa série de argumentos dos mais diversos autores que participaram do congresso Pan-Africano de Pré História, realizado em Adis Abeba em 1971, e outros tantos estudos de pesquisadores europeus e norte americanos, Cheikh conclui que o fundamental em todas elas é que, mesmo com discordância em algumas datações e na localização precisa do povoamento humano de certas épocas, o alto grau de convergência dos estudos prova que a base da população egípcia do período pré-dinástico era negra. Sendo falsas as teorias de que o elemento negro teria se infiltrado de modo tardio no Egito.
“os fatos provam que o elemento negro era preponderante do princípio ao fim da história egípcia, particularmente se observarmos, uma vez mais, que “mediterrânico” não é sinônimo de “branco”; estaria mais próximo da “raça morena ou mediterrânica” de Elliot­?Smith. “Elliot­?Smith classifica esses protoegípcios como um ramo do que ele chama raça morena, que corresponde à ‘raça mediterrânica ou euro­?africana’ de Sergi . O termo “moreno” neste contexto refere­?se à cor da pele e é simplesmente um eufemismo de negro. Assim, fica evidente que toda a população egípcia era negra, com exceção de uma infiltração de nômades brancos no período protodinástico.”
O elemento branco no genoma humano é tardio, mas existem varrições na pigmentação humana desse antes de seu surgimento. Ou seja, um negro com tom de pele mais claro não tem, necessariamente, componentes europeus no sangue. Assim, Cheikh defende a negritude genética do povo egípcio. Seus argumentos passam por análises e testes de dosagem de melanina feitos em algumas múmias nas quais foram encontrados tecidos de pele; medidas osteológicas; grupos sanguíneos e se estendem por mais de 200 páginas. Mas há ainda a questão da formação cultural.
Longe de uma ideia e purismo, o autor admite que a cultura egípcia se formou num caldeirão de influências até ser ela própria a maior influência cultural e política de toda a África.
“O clima relativamente úmido no final do Neolítico e durante todo o período pré-dinástico, que assistiu à formação da civilização no Egito, tornou o deserto árabe, entre o mar Vermelho e o vale do Nilo, permeável, por assim dizer. Foi por esse caminho, sem dúvida, que as influências mesopotâmicas cuja importância, aliás, talvez tenha sido superestimada – penetraram no Egito.”
Cheikh admite que, por falta de interesse, poucos estudos foram realizados para estudar os contatos do Egito com as culturas do Saara no período pré-dinástico (fim do neolítico). Mas que a inscrição de certos símbolos nas paletas protodinásticas permitem supor similaridades entre os povos do vale do Nilo e do deserto Líbio.
As partes mais interessantes dessa parte do livro são as seguintes que tratam das várias referências de autores da antiguidade clássica aos egípcios. Mostrando uma erudição rara, Cheikh, cita vários  autores da antiguidade em passagens referentes ao povo egípcio. Heródoto, Aristóteles, Sêneca, Luciano, Apolodoro, Ésquilo, Estrabão, Diodoro, Diógenes Lércio, Amiano Marcelino e outros. Todos eles se referindo ao povo egípcio como negro.
Das citações destacamos algumas mais pungentes:
“Aqueles que são muito negros são covardes, como, por exemplo, os egípcios e os etíopes. Mas os excessivamente brancos também são covardes, como podemos ver pelo exemplo das mulheres; a coloração da coragem está entre o negro e o branco”
Arítóteles, Fisionomia – Livro VI
“Egito conquistou o país dos homens de pés negros e chamou?o Egito, a partir de seu próprio nome.”
Apolodoro, século I antes da Era Cristã, Livro II, A família de Ínacos.
“Os etíopes dizem que os egípcios são uma de suas colônias, que foi levada para o Egito por Osíris. Eles afirmam que, no começo do mundo, o Egito era apenas um mar, mas que o Nilo, transportando em suas enchentes grandes quantidades de limo da Etiópia, terminou por colmatá-lo e tornou-o parte do continente (…). Acrescentam que os egípcios receberam deles como de seus autores e ancestrais a maior parte de suas leis”
Diodoro, História Universal. Livro III
O autor cita ainda Homero para atestar a antiguidade e importância da civilização etíope.
figura 2 Ramsés II e um Batutsi moderno. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XXXV.)
Figura 3 A Esfinge, tal como foi encontrada pela primeira missão científica francesa no século XIX. Presume-se que esse perfil, tipicamente negroide, represente o faraó Khafre ou Quéfren (cerca de -2600, IV dinastia), construtor da segunda pirâmide de Guizé. O perfil não é nem helênico nem semita: é bantu. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XIX.)
No capítulo seguinte, Cheikh desenvolve um sofisticado estudo linguístico para analisar como o povo egípcio se referia a si mesmo no que tratava de raça e cor. Do qual destacamos a parte que se refere a palavra KMT.
Segundo Cheikh, os egípcios tinham apenas uma palavra para designar a si mesmos nos textos faraônicos: = KMT  que significaria “os negros”, um plural. O sentido da palavra é literal, vez que esse é o termo mais forte existente na língua faraônica para indicar a cor preta; assim, é escrito com um hieróglifo representando um pedaço de madeira com a ponta carbonizada.
Essa seria a origem etimológica da importante raiz kamit. Dela teria se derivado a raiz bíblica kam. O autor observa que na língua egípcia, o plural é indicado a partir da junção de um adjetivo ou de um substantivo ao feminino singular. Assim, KMT, do adjetivo = km = preto, significa precisamente “negros”, ou, pelo menos, “homens pretos”. A palavra é um coletivo que descrevia o conjunto do povo do Egito faraônico como um povo negro.
Figura 4 Representação proto­?histórica de Tera­?Neter, um nobre negro da raça dos Anu, primeiros habitantes do Egito. (Fonte: C. A. Diop. “Antériorité des Civilisations Nègres: Mythe ou Realité Historique?”. Paris, Présence Africaine, 1967. pr. XIV.)
Figura 5  Zoser, típico negro, faraó da III dinastia, inaugurou a grande era da arquitetura em pedra revestida: a pirâmide em degraus e o complexo funerário em Sacará. Em seu reinado, todas as características tecnológicas da civilização egípcia já estavam desenvolvidas. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XVII.)
TRADIÇÃO DE EMBRANQUECIMENTO 
Se a assimilação do estilo e o apagamento da identidade física são um lugar comum nas relações de dominação cultural em todos os povos, o embranquecimento se tornou regra no ocidente a partir do renascimento a partir do final do séc. XIV. Era regra que todas as representações (mitológicas, bíblicas, oníricas) fossem contemporanizadas. Assim, séculos mais tarde quando o orientalismo fascinou toda a Europa, os cânones fizeram com que surgissem toda a sorte de odaliscas brancas como polacas. Já no século XX, com o cinema Hollywoodiano se afirmando, as grandes narrativas bíblicas e histórica não podiam contar com atores negros, uma vez que à esses sequer era permitido serem artistas. Não que isso preocupasse um diretor como D. W. Griffith. Mas o fato é que Hollywood foi, em pouco mais de um século, responsável por criar a imagem de Egito que temos hoje: Exoticamente branco.
Egito Antigo e Suas Representações na Contemporaneidade Midiática.
No mundo do cinema e da televisão, olhamos para a tonelada de protagonistas brancos com normalidade porque essa é a norma das produções – a história de personagens brancos é o “padrão”. Atores não-caucasianos possuem uma lista muito pequena de tipos de personagens, muitas vezes estereótipos, da qual escolher.
No século XX as produções midiáticas acerca do Egito Antigo tendem a retratar o povo egípcio como tendo sido uma população predominantemente branca. Essa tendência não começou no século XX, mas foi durante ele que essa referência imagética de um “Egito branco” prevaleceu na cultura e na mentalidade contemporânea. E mesmo no século XXI, ainda vemos filmes, novelas, desenhos, etc., retratando os faraós sempre brancos, a nobreza egípcia sempre branca, o grosso da população sendo branca, e quando há negros e pardos, estes geralmente são camponeses ou escravos.
Figura 6: Filme: Êxodos: Deuses e Reis
Há quem diga com bastante cinismo que pensar num Antigo Egito Negro é ‘’tudo confusão com os núbios’’ -uma civilização negra também próxima ao Nilo.- ”não eram negros, mas brancos de pele morena. ”. Parece coisa do século XIX, mas não é. Um erro dessa natureza e magnitude não acontece por má fé ou ignorância, só a irresponsabilidade intelectual e o racismo explicam. Com o mito desse ‘’Egito Europeizado” criado e manipulado por Hollywood e dado como aceito durante anos, dificultou-se a desconstrução e a real representação dos povos egípcios.
  • Produções cinematográficas recentes e a perpetuação do embranquecimento egípcio:
Recentemente a discussão sobre o embranquecimento das produções hollywoodianas chamou a atenção da mídia especializada. Esse é um assunto que abrange desde a mudança de etnia de personagens, até o uso do chamado “blackface” – quando um ator branco passa por uma mudança estética para parecer de outra etnia. Desde a sua formação, Hollywood e demais produções mundiais vem usando desses mecanismos em seus filmes e projetos. E a partir disso, uma breve análise sobre essas recentes produções e o porquê de sua ilegitimidade e manutenção de falsas informações.
Figura 8 Filme: Deuses do Egito 
Além de usurpar e modificar a história egípcia, foi necessário embranquecer também os seus sujeitos. Nos filmes em Êxodo: Deuses e ReisOs 10 Mandamentos e o mais recente Deuses do Egito, os personagens são majoritariamente brancos e com sua história nitidamente distorcida. As três produções citadas acima, tratam o Egito como uma localidade exterior à África (Apesar de estar naquele continente), mantendo uma plasticidade totalmente ultrapassada, com personagens que mantém estereótipos e velhos clichês totalmente machistas.
O que acontece em todas essas produções não é nenhuma novidade, o racismo não precisa inventar a roda. Os personagens masculinos retratando antigos egípcios como grandes guerreiros, quase sempre são blackfaces como é o caso do novo Ramsés de Ridley Scott em Êxodo: Deuses e Reis. O ator escalado para o papel é ninguém menos que Joel Edgerton que é loiro de olhos azuis. A solução foi reeditar a maquiagem usada pelo russo Yul Brynner em Os dez mandamentos (Americano), com muita cobertura de pele para sugerir o bronzeado de quem passa muito tempo tomando sol, jamais um tom de pele indiscutivelmente negro.
Também é esperado que o faraó seja amargurado e invejoso, jamais um grande estadista e estrategista. Contra o único deus possível, à imagem e semelhança de um homem branco, um líder negro se torna herege, um perdedor. Por outro lado, também é quase certeza que a educação egípcia de Moisés seja menosprezada, algo que está em completa oposição ao deus verdadeiro. As entidades egípcias e sua influência precisam ser destruídas, pelo menos em tese, para que apareça um novo deus em quem se pode acreditar.
Para Hollywood também é perfeitamente possível que a realeza egípcia seja branca, enquanto assassinos, ladrões e populares são negros, vide Êxodo: Deuses e Reis. O que está por trás dessa manobra é a ideia de que a nobreza egípcia não poderia ser africana mesmo que inexistam evidências de que a origem desses indivíduos, nobres ou plebeus, esteja fora da África. Aliás, ainda que se reconheça que nessa sociedade pessoas de diferentes tons de pele conviveram, não há registros de que houvesse qualquer segregação motivada pela cor da pele.
As antigas mulheres egípcias são todo um caso à parte, tanto no cinema e na televisão. Sempre muito brancas, de acordo com um padrão de beleza eurocêntrico, delicado como porcelana. No contexto de uma civilização do deserto, a sugestão sexista é a de que o território da mulher não a cidade e que seu papel político seja diminuído e resumido a intrigas motivadas pelo amor e pela paixão ao exemplo de Nefertari – Uma das maiores rainhas egípcias parece não ter nada mais a fazer do que sentir ciúmes de Moisés, como acontece com muitos personagens do “Dez Mandamentos.
Figura 7 Filme: ”Os 10 Mandamentos.”
Hollywood e suas vertentes, não mudaram sua concepção e não fizeram questão de perceber que o mundo a sua volta modificou e, que falhas não passarão desapercebidas ou sem algum tipo de problematização. O Egito Hollywoodiano está mais para mitologia Grega e as produções nacionais (Rede Record e associados) mais para o filme 300. Com total ausência de pesquisa séria, que retratem a verdadeira face do Egito Antigo.
Figura 9: Atriz Gina Torres, interpretando Cleópatra na série Xena
CONCLUSÃO
É importante empreender a revisão histórica e a desconstrução dessa imagem forjada midiaticamente pelo imperialismo branco, não só no que diz respeito ao Egito antigo mas a todas os povos africanos, orientais e sul americanos. A valorização acadêmica dos pensadores que se dedicaram a isso também é importante. Não podemos depender unicamente do esforço monumental de pensadores como Cheikh Anta Diop, é preciso que haja uma rede de pensadores que trabalhem essa desconstrução cotidianamente nas salas de aula, nas produções midiáticas e em suas pesquisas. 
FONTES:
História geral da África, II: África antiga / editado por Gamal Mokhtar. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. 1008 p.
DIOP, Cheikh Anta – Nations nègres et culture: De l’antiquité nègre égyptienne aux problèmes culturels de l’Afrique Noire d’aujourd’hui, 1954, ParisEditions Présence Africaine,
http://www.collantsemdecote.com/embranquecimento
http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2015/11/egito-negro.html
http://www.nehmaat.uff.br/revista/2013-2/artigo06-2013-2.pdf
http://virgula.uol.com.br/tvecinema/exodus-novo-filme-de-ridley-scott-e-acusado-de-promover-embranquecimento-e-relegar-atores-negros-papeis-de-escravos-e-bandidos/
http://phoneia.com/pt/acusado-de-racismo-e-branqueamento-premeditado-para-exodus-por-ridley-scott/
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1450199856_ARQUIVO_raisasagredoanpuh2015.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001902/190250POR.pdf
// um trabalho tão bom merecia referências web mais bem escritas (vejam formatação)
Alunos: Pedro Alvarenga e Thayná Trindade
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Fonte: HISTÓRIA DAS ARTES VISUAIS 1blog da disciplina
Fonte:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/11132/o-embraquecimento-historico-do-egito-antigo

Lanceiros Negros


Lanceiros Negros

Durante a chamada Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul (1835-45), quando um homem livre era chamado a servir tanto nas forças rebeldes quanto nas imperiais, podia enviar em seu lugar (ou no lugar de um filho seu) um de seus trabalhadores escravizados. Em alguns casos, o alforriavam e alistavam. Também foi prática comum buscar atrair ou tomar cativos das tropas inimigas, trazendo-os para seu lado. O primeiro exército a utilizar negros escravizados como soldados foram os imperiais. Precisando também formar uma infantaria e sobretudo preferindo enviá-los como bucha-de-canhão, morrendo na frente em seu lugar, farrapos também os alistaram: eram os famosos Lanceiros Negros. Ambos, farrapos ou imperiais, prometiam também liberdade aqueles que desertassem das tropas rivais, mudando de lado.
A maioria dos cativos que combateu nesta guerra foi obrigada a fazê-lo diante das condições impostas. Por outro lado, apesar da guerra ser horrível e violenta, era até preferível a vida militar, com seus esporádicos combates, do que as agruras diárias da escravidão. A promessa de liberdade após o fim da luta certamente pode ter influenciado em muito o recrutamento daqueles homens. Uma promessa, aliás e como veremos, jamais cumprida.
Não havia igualdade nas tropas farroupilhas, muito menos democracia racial. Negros e brancos marchavam, comiam, dormiam, lutavam e morriam separadamente. Os oficiais dos combatentes negros eram brancos, e jamais um negro chegou a um posto significante, mesmo que intermediário, de comando. Aos Lanceiros Negros era vedado o uso de espadas e armas de fogo de grande porte. Não lutavam a cavalo, como costumam mostrar nos filmes e mini-séries de TV, mas sim a pé, pois havia o risco de se rebelar ou fugir. Sua arma principal era a grande lança de madeira que lhes deu nome e fama, algumas facas, facões, pequenas garruchas, os pés descalços, a bravura e o anseio pela liberdade prometida.
Seria anacronismo se quiséssemos que líderes farroupilhas tivessem um comportamento ou posições políticas avançadas e assim diferentes das existentes em seu tempo, mas defesa da Abolição da escravidão era bem conhecida e nada alienígena na época. Uma Abolição começou a ser decretada em Portugal em 1767, proibindo que fossem enviados para o reino mais cativos vindos da África, e em 1773 foi decretada uma Lei do Ventre Livre naquele país. Na Dinamarca, isso se deu em 1792. Na França, em 1794 (ainda que Napoleão tenha tentado restabelecer a escravidão no Haiti em 1802). No México, uma primeira tentativa de Abolição foi feita em 1810, mas foi finalmente vitoriosa em 1829. Bolívar libertou cativos em 1816-7, durante suas lutas por independência, e finalmente aboliu a escravatura em 1821. A Inglaterra, que havia findado a escravidão pouco antes da Revolta dos Farrapos, pressionava o Brasil pelo fim do tráfico negreiro desde 1808. Willian Wilbeforce, um dos maiores abolicionistas da história, morreu em 1833, ou seja, dois anos antes da guerra no Sul do Brasil. Farrapos, portanto, conheciam, sim, e muito bem o abolicionismo.
Entretanto,os principais chefes farrapos, Bento Gonçalves, Canabarro, Gomes Jardim e até Netto, dentre outros, eram todos ferrenhos escravistas. Quando aprisionado e enviado para a Corte no Rio de Janeiro, Bento Gonçalves teve o direito de levar consigo um de seus cativos para lhe servir. Ao morrer, o mais conhecido líder farroupilha deixou terras, gado e quase cinqüenta trabalhadores escravizados de herança aos seus familiares. Bem diferente do que fizera Artigas no Uruguai anos antes, os farrapos jamais propuseram uma reforma agrária ou mesmo uma distribuição de terras entre seus soldados, mesmo os brancos pobres, que dirá os negros. A defesa da escravidão era tão clara entre os chefes farrapos a ponto deles jamais sequer terem mencionado o fim do tráfico negreiro.
Ao fim da guerra e já quase totalmente derrotados, os farrapos incluíram entre suas exigências para o Império o cumprimento da promessa de liberdade que haviam feitos aos Lanceiros (principalmente porque temiam que eles formassem uma guerrilha negra na província já que a quebra da promessa os faria se rebelar ou fugir para o Uruguai, destino comum de diversos cativos fugitivos na época). Queriam entregar-se ao Império, acabar a guerra, voltar à normalidade, mas tinham os Lanceiros e a promessa que lhes haviam feito, e o Império, escravista até a medula, não queria cumprir essa parte do acordo.
Que fazer então? A questão foi resolvida na madrugada de 14 de novembro de 1844, quando o general farrapo David Canabarro entregou seus Lanceiros desarmados ao inimigo, tudo previamente combinado com Caxias. E no serro de Porongos, hoje região de Pinheiro Machado (interior do Rio Grande do Sul), foi dizimada quase toda a infantaria negra, enterrando de vez a preocupação dos farrapos e acelerando assim a paz com o Império. A instrução de Caxias a um de seus comandados foi clara e objetiva: a batalha teria que ser conduzida de forma tal que poupar apenas e dentro do possível o sangue de brasileiros (e o negro era então tratado como africano, mesmo que já nascido no Brasil).
Alguns historiadores apologistas ou folcloristas de CTGs consideraram aquela traição como Surpresa, já que pela primeira vez que o então vigilante Davi Canabarro teria sido surpreendido pelo inimigo. Conversa fiada! Enquanto dispôs suas tropas negras de tal maneira que ficassem desarmadas e descobertas, algo que até então nunca havia feito, Canabarro se encontrava bem longe e seguro do local, nos braços de Papagaia, alcunha de uma amante sua.
Após o combate, um relato oficial avisou a Caxias que pelo menos 80% dos corpos caídos no campo de Porongos eram de homens negros. Calcula-se que, nos últimos anos daquela conflito, os farrapos ao todo somavam uns cinco mil homens, sendo que algo em torno de mil eram Lanceiros Negros. Após o Massacre de Porongos, porém, restaram apenas uns 120 deles, feridos, alguns mutilados, e que foram primeiramente enviados para uma prisão no centro do país e depois dispersados para outras províncias, ainda mantidos como cativos.
Feito isso, deu-se a chamada rendição e paz do Poncho Verde, onde senhores escravistas dos dois lados trocaram abraços e promessas de lealdade e, logo depois, marcharam juntos e sob a mesma bandeira imperial contra o Uruguai, Argentina e Paraguai.

Nação TVE – Massacre de Porongos


 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=-EaXk-5lCpE&feature=share

Bibliografia
FACHEL, José Plínio Guimarães. Revolução Farroupilha. Pelotas: EGUFPEL, 2002.
FERREIRA, Hemerson. Da Revolta à Semana Farroupilha: entre tradição e a história. http://prod.midiaindependente.org/…/bl…/2009/08/451359.shtml
FLORES, Moacyr & FLORES, Hilda Agnes. Rio Grande do Sul: aspectos da Revolução de 1893. Porto Alegre: Martins-Livreiro, 1993.
GOLIN, Tau. Bento Gonçalves, o herói ladrão. Santa Maria: LGR, 1983.
LEITMAN, Spencer. Raízes sócioeconómicas da Guerra dos Farrapos: um capítulo da história do Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
MAESTRI, Mário. "O negro escravizado e a Revolução Farroupilha". In: O escravo gaúcho: resistência e trabalho. Porto Alegre: UFRGS, 1993, pp76-82.
Hemerson Ferreira é historiador.
via Negras Melodias

Fonte:https://www.facebook.com/ManifestoContraOTradicionalismo/photos/a.363550157054054.83029.361216643954072/517088228366912/?type=3&theater