1837 -
Primeira lei de educação: negros não podem ir à escola
1850 -
Lei das terras: negros não podem ser proprietários
1871 - Lei do Ventre Livre - quem nascia livre?
1885 -
Lei do Sexagenário - quem sobrevivia para ficar livre?
1888 -
Abolição (atentem, foram 388 anos de escravidão)
1890 -
Lei dos vadios e capoeiras - os que perambulavam pelas ruas, sem trabalho ou
residência comprovada, iriam pra cadeia. Eram mesmo "livres"? Dá para
imaginar qual era a cor da população carcerária daquela época? Vc sabe a cor
predominante nos presídios hoje?
1968 -
Lei do Boi: 1a lei de cotas! Não, não foi pra negros, foi para filhos de donos
de terras, que conseguiram vaga nas escolas técnicas e nas universidades (volte
e releia sobre a lei de 1850!!!)
1988 -
Nasce nossa ATUAL CONSTITUIÇÃO. Foram necessários 488 anos para ter uma
constituição que dissesse que racismo é crime! Na maioria das ocorrências se
minimiza o racismo enquanto injúria racial e nada acontece.
2001 -
Conferência de Durban, o Estado reconhece que terá que fazer políticas de
reparação e ações afirmativas. Mas, não foi porque acordaram bonzinhos! Não foi
sem luta. Foram décadas de lutas para que houvesse esse reconhecimento! E olha
que até hoje tem gente que ignora, hein!
2003 -
Lei 10639 - estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
"História e Cultura Afro-Brasileira". Que convenhamos não é cumprida,
né?
2009 -
1a Política de Saúde da População Negra. Que prossegue sendo negligenciada e
violentada (quem são as maiores vítimas da violência obstétrica?) no sistema de
saúde.
2010 -
Lei 12288 - Estatuto da Igualdade Racial. Em um país que se nega a reconhecer a
existência do racismo.
2012 -
Lei 12711 - Cotas nas universidades. A revolta da casa grande sob um falso
pretexto meritocrata.
...
Nossa sociedade é racista e ainda escravocrata e essa linha do tempo tá aí pra
evidenciar.
Por - Leandro Ribeiro"
Navios portugueses e brasileiros fizeram
mais de 9 mil viagens com escravos da África para o Brasil
Amanda Rossi - Da BBC News Brasil em São
Paulo 07/08/201817h57
4,8 milhões de africanos foram transportados para o Brasil e
vendidos como escravos, ao longo de mais de três séculos
O Brasil ainda não estava no mapa
do mundo quando, em 1482, uma dúzia de embarcações portuguesas aportou no oeste
da África com uma missão dada pelo rei dom João 2º: construir uma fortaleza
militar para defender os interesses econômicos de Portugal na região. Os porões
dos navios estavam carregados de material de construção e havia na tripulação
dezenas de pedreiros e carpinteiros. Era uma empreitada pioneira, já que
nenhuma outra nação europeia havia feito nada semelhante.
Meses depois, surgia o Castelo de
São Jorge da Mina, na então Costa do Ouro, hoje Gana. Primeiro, foi um local de
comércio de ouro. Depois, de escravos - mais de 30 mil foram levados dali para
o Brasil, em navios portugueses. O castelo existe até hoje e foi declarado
Patrimônio da Humanidade, um monumento "aos horrores do tráfico de
escravos". É um dos resquícios mais antigos da presença dos portugueses na
África e de sua participação na escravidão.
A construção do castelo foi só o
começo da empreitada de Portugal na África. Em seguida, os portugueses se
instalaram em diversos pontos do continente e fizeram do tráfico de escravos a
sua principal e mais lucrativa atividade econômica na região. Ao longo de mais
de três séculos, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase
90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2
mil tiveram como destino o Brasil. Especial 130 anos da abolição: A luta
esquecida dos negros pelo fim da escravidão no Brasil.
Os dados são da The
Trans-Atlantic Slave Trade Database(http://www.slavevoyages.org/), um esforço
internacional de catalogação de dados sobre o tráfico de escravos - que inclui,
entre outros, a Universidade de Harvard. O levantamento foi possível porque os
escravos eram uma mercadoria, registrada na entrada e saída dos portos, sobre a
qual incidia cobrança de impostos.
Polêmica sobre a participação de Portugal na escravidão africana
A história de Portugal na África
e seu papel na escravidão entrou na pauta política brasileira depois que o
candidato à Presidência Jair Bolsonaro declarou que "o português nem
pisava na África" e responsabilizou os próprios africanos pela escravidão,
em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. A afirmação ocorreu após
uma pergunta sobre cotas raciais.
"A ideia de que os
portugueses nunca estiveram na África é completamente falsa. Na verdade, foram
os portugueses que abriram a África para o mundo Atlântico (Europa e
América)", afirma Christopher DeCorse, professor de antropologia da
Universidade de Syracuse, nos Estados Unidos, e autor de livros sobre o Castelo
de São Jorge da Mina e o tráfico de escravos.
"Os portugueses são os
primeiros a iniciar o comércio de escravos no Atlântico. Durante algumas
décadas, são praticamente só eles que fazem esse tipo de comércio. Não é
propriamente um pioneirismo honroso, mas é um fato", completa o
historiador Arlindo Manuel Caldeira, pesquisador da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e autor do livro Escravos e
Traficantes no Império Português.
Por outro lado, é fato que
algumas sociedades africanas tiveram participação fundamental no tráfico de
escravos, capturando outros povos e os vendendo conforme a demanda dos
europeus. No entanto, historiadores ressaltam que foi a pressão dos europeus
por escravos que exacerbou o tráfico interno africano.
"Apesar de uma elite
africana ter se beneficiado diretamente do comércio de escravos, não há dúvidas
de que, sem a pressão dos europeus, a escravidão na África teria uma dimensão
imensamente menor. Foi o estímulo europeu que levou a um crescimento
exponencial da escravidão", contrapõe Arlindo.
Além disso, independentemente de
quem foram os culpados pela escravidão, não há dúvidas de que os 4,9 milhões de
africanos trazidos como escravos para o Brasil são as vítimas. Nenhum outro
lugar do mundo recebeu tantos escravos. Em comparação, nos Estados Unidos,
foram 389 mil.
Escravidão existia na África antes do tráfico europeu
A escravidão existia na África
antes mesmo da chegada dos europeus. Os perdedores de um conflito, por exemplo,
poderiam se tornar escravos dos vencedores. No entanto, a dimensão dessa prática
era limitada.
Quando os portugueses chegaram à
África, seu interesse inicial não era em escravos. Logo depois, no entanto,
isso mudou.
"As elites africanas
facilitaram o comércio de escravos. Elas ficaram muito dependentes da
importação de mercadorias europeias - como armas, artigos de consumo e de luxo.
O que tinham para dar em troca, e que os europeus aceitavam, era sobretudo
mercadoria humana. Isso foi desastroso para a África, porque era uma troca
altamente desigual - produtos manufaturados por pessoas", afirma Arlindo
Manuel Caldeira.
Assim, por exemplo, ao
comercializar na costa sudoeste da África no início do século 16, os
portugueses receberam escravos como pagamento. Depois, trocaram esses escravos
por ouro na região do Castelo de São Jorge da Mina. Em seguida, os portugueses
foram pioneiros em adquirir escravos para vendê-los fora da África. Uma das
primeiras viagens negreiras registradas, por exemplo, ocorreu em 1514, quando
um navio português partiu do Rio Congo com 400 escravos rumo a Lisboa.
Posteriormente, Portugal passou a abastecer com escravos seus territórios de
São Tomé e Cabo Verde.
Até 1650, dois de cada três
navios que comercializavam escravos no mundo eram portugueses.
Portugal e Inglaterra controlaram o tráfico de escravos
O número de viagens negreiras
para o Brasil foi crescendo à medida que a exploração econômica baseada no
trabalho escravo avançava - o açúcar, no Nordeste, o ouro, em Minas Gerais, e o
café, em São Paulo.
O auge ocorreu de 1750 a 1850
(ano em que o tráfico foi finalmente proibido): nesse período, aportaram no
Brasil 7 mil navios portugueses ou brasileiros trazendo escravos da África - a
partir da independência, em 1822, os brasileiros assumiram protagonismo no
tráfico de escravos.
O comércio era altamente lucrativo.
Traficantes portugueses fizeram fortunas e, em alguns casos, até ganharam
títulos de nobreza em Portugal.
É o caso do Conde Joaquim
Ferreira dos Santos. No começo do século 19, ele montou postos de compra de
escravos em Angola, que controlava a partir do Rio de Janeiro. Ele próprio foi
à África algumas vezes para carregar seus navios de escravos. Calcula-se que
tenha vendido 10 mil africanos no Brasil.
Quando o Brasil se tornou
independente, Ferreira dos Santos pediu nacionalidade brasileira e continuou
traficando escravos.
À época de sua morte, sua fortuna
foi avaliada em cerca de 1500 contos, equivalente a muitas dezenas de milhões
de euros atuais, segundo Arlindo Manuel Caldeira, que pesquisou a história dos
traficantes portugueses. Parte da riqueza foi usada para criar obras de
caridade, existentes até hoje em Portugal, como a rede de escolas públicas
Conde de Ferreira e o hospital psiquiátrico Conde de Ferreira.
A força negreira de Portugal só
foi abalada pela Inglaterra. Apesar de terem entrado no negócio meio século
depois dos portugueses, os ingleses fizeram o maior número de viagens negreiras
do mundo, 600 a mais que Portugal. O destino era, em primeiro lugar, as
colônias inglesas no Caribe e, em seguida, os Estados Unidos.
Já a partir do século 19, a
Inglaterra mudou de lado e passou a defender (e exigir) o fim do tráfico de
escravos no mundo. Foi por pressão inglesa que o Brasil aboliu o tráfico de
escravos.
Além de Portugal e Inglaterra,
outros países também traficaram escravos da África para as Américas, como
Holanda e França. Nenhum navio negreiro tinha a bandeira de uma nação africana.
Demanda de escravos para as Américas elevou conflitos na África
Além do Brasil, outras colônias
americanas foram se tornando economias escravistas e demandando um número cada
vez maior de escravos africanos. Do ponto de vista econômico, quando a demanda
cresce, a produção também aumenta. É a lei da oferta e da procura. Foi o que
ocorreu na África.
"As elites africanas
tentaram ter sempre o maior número possível de escravizados para trocar por
mercadorias europeias. São desenvolvidas diversas formas de obtenção de
escravizados, como medidas fiscais (cobrança de impostos) e de caráter judicial
(julgamentos que condenavam o acusado à
escravidão). Mas a principal vai ser por força, pela guerra", explica
Arlindo Manuel Caldeira.
Assim, "o comércio negreiro
motivou uma série de guerras étnicas e conflitos que tinham como objetivo obter
escravos, para que pudessem ser vendidos para comerciantes europeus", diz
Christopher DeCorse.
Algumas mercadorias vendidas
pelos europeus, como cavalos e armas, aumentaram o poder de conquista de
algumas sociedades africanas - e reduziram a capacidade de resistência de
outras. As maiores vítimas foram comunidades camponesas, capturadas por
sociedades vizinhas com maior poder bélico.
"Então a culpa é dos
africanos? Não, nós devemos apontar o dedo diretamente para os europeus. Foram
os europeus que moveram o mercado de escravos. Foram os europeus que foram para
a costa africana e disseram para seus líderes: 'nos deem escravos'", diz
Christopher DeCorse.
O fim da escravidão no Brasil completa 130 anos em 13 de maio deste ano. Em 1888, a princesa Isabel, filha do imperador do Brasil Pedro 2º, assinou a Lei Áurea, decretando a abolição - sem nenhuma medida de compensação ou apoio aos ex-escravos.
A decisão veio após mais de três séculos de escravidão, que resultaram em 4,9 milhões de africanos traficados para o Brasil, sendo que mais de 600 mil morreram no caminho.
Mas a abolição no Brasil está longe de ter sido uma benevolência da monarquia. Na verdade, foi resultado de diversos fatores, entre eles, o crescimento do movimento abolicionista na década de 1880, cuja força não podia mais ser contida.
Entre as formas de resistência, estavam grandes embates parlamentares, manifestações artísticas, até revoltas e fugas massivas de escravos, que a polícia e o Exército não conseguiam - e, a partir de certo ponto, não queriam - reprimir. Em 1884, quatro anos antes do Brasil, os Estados do Ceará e do Amazonas acabaram com a escravidão, dando ainda mais força para o movimento.
A disputa continuou no pós-libertação, para que novas políticas fossem criadas destinando terras e indenizações aos ex-escravos - o que nunca ocorreu.
Conheça abaixo as histórias de seis brasileiros protagonistas na luta pelo fim da escravidão:
Luís Gama, o ex-escravo que se tornou advogado
Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830, em Salvador, filho de mãe africana livre e pai branco de origem portuguesa. Quando o menino tinha quatro anos, sua mãe, Luísa, teria participado revolta dos Malês, na Bahia, pelo fim da escravidão.
Uma reviravolta ocorreu quando Gama tinha dez anos: ficou sob cuidados de um amigo do pai, que o vendeu como escravo. O menino "embarcou livre em Salvador e desembarcou escravo no Rio de Janeiro", escreve a socióloga Angela Alonso no livro Flores, Votos e Balas, sobre o movimento abolicionista. Depois, foi levado para São Paulo, onde trabalhou como escravo doméstico. "Aprendi a copeiro, sapateiro, a lavar e a engomar roupa e a costurar", escreveu o baiano.
Aos 17 anos, Gama aprendeu a ler e escrever com um estudante de direito. E reivindicou sua liberdade ao seu proprietário, afinal, nascera livre, livre era.
Em São Paulo, Gama se tornou rábula (advogado autodidata, sem diploma) e criou uma nova forma de ativismo abolicionista: entrava com ações na Justiça para libertar escravos. Calcula-se que tenha ajudado a conseguir a liberdade de cerca de 500 pessoas.
Gama usava diversos argumentos para obter a alforria. O principal deles era que os africanos trazidos ao Brasil depois de 1831 tinham sido escravizados ilegalmente. Isso porque naquele ano foi assinado um tratado de proibição do tráfico de escravos. Mais de 700 mil pessoas tinham entrado no país nessas condições. Apenas em 1850 o tráfico de escravos foi abolido definitivamente.
"As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um fato altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A maior parte dos escravos africanos (...) foram importados depois da lei proibitiva do tráfico promulgada em 1831", disse Gama na época.
O advogado ainda entrou com diversos pedidos de habeas corpus para soltar escravos que estavam presos, acusados, sobretudo, de fuga. Ainda trabalhou em ações de liberdade, quando o escravo fazia um pedido judicial para comprar sua própria alforria - o que passou a ser permitido em 1871, em um dos artigos da Lei do Ventre Livre.
Luís Gama morreu em 1882, sem ver a abolição. Seu funeral, em São Paulo, foi seguido por uma multidão. "Quanto galgara Luís Gama, de ex-escravo a morto ilustre, em cujo funeral todas as classes representavam-se. Comércio de porta fechada, bandeira a meio mastro, de tempos em tempos, um discurso; nas sacadas, debruçavam-se tapeçarias, como nas procissões da Semana Santa", relata Alonso.
Na hora do enterro, alguém gritou pedindo que a multidão jurasse sobre o corpo de Gama que não deixaria morrer a ideia pela qual ele combatera. E juraram todos.
Maria Tomásia Figueira Lima, a aristocrata que lutou para adiantar a abolição no Ceará
Filha de uma família tradicional de Sobral (CE), Maria Tomásia foi para Fortaleza depois de se casar com o abolicionista Francisco de Paula de Oliveira Lima. Na capital, tornou-se uma das principais articuladoras do movimento que levou o Estado a decretar a libertação dos escravos quatro anos antes da Lei Áurea.
Segundo o Dicionário de Mulheres do Brasil, ela foi cofundadora e a primeira presidente da Sociedade das Cearenses Libertadoras que, em 1882, reunia 22 mulheres de famílias influentes para argumentar a favor da abolição.
Ao fim de sua primeira reunião, elas mesmas assinaram 12 cartas de alforria e, em seguida, conseguiram que senhores de engenho assinassem mais 72.
As mulheres conseguiram, inclusive, o apoio financeiro do imperador Pedro 2º para a iniciativa. Juntamente com outras sociedades abolicionistas da época, elas organizaram reuniões abertas com a população, promoviam a libertação de escravos em municípios do interior do Ceará e publicavam textos nos jornais pedindo a abolição em toda a província.
Maria Tomásia estava presente na Assembleia Legislativa no dia 25 de março de 1884, quando foi realizado o ato oficial de libertação dos escravos do Ceará, que deu força à campanha abolicionista no país.
André Rebouças, o engenheiro que queria dar terras aos libertos
André Rebouças nasceu na Bahia, em 1838, em uma família negra, livre, e incluída na sociedade imperial. Quando jovem, estudou engenharia e começou a trabalhar na área. Foi responsável por diversas obras de engenharia importantes no país, como a estrada de ferro que liga Curitiba ao porto de Paranaguá. Conquistou posição social e respeito na corte. A Avenida Rebouças, importante via em São Paulo, é uma homenagem a André e a seu irmão Antonio, também engenheiro.
Em uma das obras de que participou, outro engenheiro pediu que Rebouças libertasse o escravo Chico, que era operário e tinha sido responsável pelos trabalhos hidráulicos. "Foi quando sua atenção recaiu sobre o assunto", escreve Angela Alonso, também em Flores, Votos e Balas. Chico foi, então, libertado.
"Sou abolicionista de coração. Não me acusa a consciência ter deixado uma só ocasião de fazer propaganda para a abolição dos escravos, e espero em Deus não morrer sem ter dado ao meu país as mais exuberantes provas da minha dedicação à santa causa da emancipação", discursou certa vez Rebouças, na presença do imperador Pedro 2º.
Na década de 1870, Rebouças se engajou na campanha pelo fim da escravidão. Participou de diversas sociedades abolicionistas e acabou se tornando um dos principais articuladores do movimento. Um de seus papéis foi fazer lobby - uma ponte entre os abolicionistas da elite e as instituições políticas, para quem executava obras de engenharia.
As ideias de Rebouças incluíam não apenas o fim da escravidão. Ele propunha que os libertos tivessem acesso à terra e a direitos, para serem integrados, não marginalizados. "É preciso dar terra ao negro. A escravidão é um crime. O latifúndio é uma atrocidade. (...) Não há comunismo na minha nacionalização do solo. É pura e simplesmente democracia rural", proclamou Rebouças.
O engenheiro também se opunha ao pagamento de indenização para os senhores de escravos em troca da liberdade - para Rebouças, isso seria uma forma de validar que uma pessoa fosse propriedade da outra.
Apoiador da monarquia e da família real brasileira, Rebouças foi ainda um dos responsáveis pela exaltação da Princesa Isabel como patrona da abolição.
Adelina, a charuteira que atuava como 'espiã'
Filha bastarda e escrava do próprio pai, Adelina passou a vender charutos que ele produzia nas ruas e estabelecimentos comerciais de São Luís (MA). Suas datas de nascimento e morte não são conhecidas. Seu sobrenome, também não.
Como escrava criada na casa grande, Adelina aprendeu a ler e escrever. Trabalhando nas ruas, assistia a discursos de abolicionistas e decidiu se envolver na causa.
De acordo com o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, de Clóvis Moura (Edusp), Adelina enviava à associação Clube dos Mortos - que escondia escravos e promovia sua fuga - informações que conseguia sobre ações policiais e estratégias dos escravistas.
Aos 17 anos, Adelina seria alforriada, segundo a promessa que seu senhor fez a sua mãe. Mas, segundo o Dicionário, isso não aconteceu.
Dragão do Mar, o jangadeiro que se recusou a transportar escravos para os navios
O jangadeiro e prático (condutor de embarcações) Francisco José do Nascimento (1839-1914), um homem pardo conhecido como Dragão do Mar, foi membro do Movimento Abolicionista Cearense, um dos principais da província, a primeira do Brasil a abolir a escravidão.
Em 1881, o Dragão do Mar comandou, em Fortaleza, uma greve de jangadeiros que transportavam os negros e negras escravizados para navios que iriam para outros Estados do Nordeste e para o Sul do Brasil. O movimento conseguiu paralisar o tráfico negreiro por alguns dias.
Com o comércio de escravizados impedido nas praias do Ceará, Nascimento foi exonerado do cargo, segundo o registro de Clóvis Moura. E se tornou símbolo da batalha pela libertação dos escravos.
Depois da abolição, ele tornou-se Major Ajudante de Ordens do Secretário Geral do Comando Superior da Guarda Nacional do Estado do Ceará e morreu como primeiro-tenente honorário da Armada, em 1914.
Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora abolicionista
A maranhense Maria Firmina (1825-1917) era negra e livre, "filha bastarda", mas formou-se professora primária e publicou, em 1859, o que é considerado por alguns historiadores o primeiro romance abolicionista do Brasil, Úrsula. O livro conta a história de um triângulo amoroso, mas três dos principais personagens são negros que questionam o sistema escravocrata.
A escritora assinava o livro apenas como "Uma maranhense", um expediente comum entre mulheres da época que se aventuravam no mercado editorial, e só agora começa a ser descoberto pelas universidades, segundo a professora de literatura brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Constância Lima Duarte.
Maria Firmina também publicava contos, poemas e artigos sobre a escravidão em revistas de denúncia no Maranhão.
De acordo com o Dicionário de Mulheres do Brasil: de 1500 Até a Atualidade (Ed. Zahar), ela criou, aos 55 anos de idade, uma escola gratuita e mista para crianças pobres, na qual lecionava. Maria Firmina morreu aos 92 anos, na casa de uma amiga que havia sido escrava.
Quando expressões como “mulata” ou “a coisa tá preta” se tornam naturais, é indício do quanto a opressão e o preconceito estão incorporados à visão de mundo das pessoas
Por Chrystal Méndez
Mais de 300 anos de passado escravista não se apagam facilmente. Sinal disso é a extensa lista de expressões das quais as pessoas nem percebem a conotação racista. São tantas que, em 2009, o professor de biologia Luiz Henrique Rosa fez um levantamento no Rio de Janeiro. Junto com seus alunos, contabilizou 360 termos de cunho racista, no projeto “Qual é a graça”. Isso só na escola em que ele leciona.
Palavras dizem muito sobre a história e a cultura de uma sociedade. Quando expressões como “mulata” ou “a coisa tá preta” se tornam naturais, é indício do quanto a opressão e o preconceito estão incorporados à visão de mundo das pessoas. Entre sutilezas, brincadeiras e aparentes elogios, a violência simbólica se amplia quando expressões como estas são repetidas:
“Cor de pele”
Aprende-se desde criança que “cor de pele” é aquele lápis meio rosado, meio bege. Mas é evidente que o tom não representa a pele de todas as pessoas, principalmente em um país como o Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, realizada pelo IBGE, 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros.
“Doméstica”
Negros eram tratados como animais rebeldes e que precisavam de “corretivos”, para serem “domesticados”.
“Estampa étnica”
Estampa parece ser, no mundo da moda, apenas aquela criada pelo olhar eurocêntrico. Quando o desenho vem da África ou de outra parte do mundo considerada “exótica” segundo essa visão, torna-se “étnica”.
“A dar com pau”
Expressão originada nos navios negreiros. Muitos dos capturados preferiam morrer a serem escravizados e faziam greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil. Para obrigá-los a se alimentar, um “pau de comer” foi criado para jogar angu, sopa e outras comidas pela boca.
“Meia tigela”
Os negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas “metas”. Quando isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da tigela de comida e ganhavam o apelido de “meia tigela”, que hoje significa algo sem valor e medíocre.
“Mulata”
Na língua espanhola, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra remete à ideia de sedução, sensualidade.
“Cor do pecado”
Utilizada como elogio, se associa ao imaginário da mulher negra sensualizada. A ideia de pecado também é ainda mais negativa em uma sociedade pautada na religião, como a brasileira.
“Samba do crioulo doido”
Título do samba que satirizava o ensino de História do Brasil nas escolas do país nos tempos da ditadura, composto por Sérgio Porto (ele assinava com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta). No entanto, a expressão debochada, que significa confusão ou trapalhada, reafirma um estereótipo e a discriminação aos negros.
“Ter um pé na cozinha”
Forma racista de falar de uma pessoa com origem negra. Infeliz recordação do período da escravidão em que o único lugar permitido às mulheres negras era a cozinha da casa grande. Uma realidade ainda longe de mudar no Brasil.
“Moreno(a)”
Racistas acreditam que chamar alguém de negro é ofensivo. Falar de outra forma, como “morena” ou “mulata”, embranquecendo a pessoa, “amenizaria” o “incômodo”.
“Negro(a) de traços finos”
A mesma lógica do clareamento se aplica à “beleza exótica”, tratando o que está fora da estética branca e europeia como incomum.
“Cabelo ruim”
Fios “rebeldes”, “cabelo duro”, “carapinha”, “mafuá”, “piaçava” e outros tantos derivados depreciam o cabelo afro. Por vários séculos, causaram a negação do próprio corpo e a baixa autoestima entre as mulheres negras sem o “desejado” cabelo liso. Nem é preciso dizer o quanto as indústrias de cosméticos, muitas originárias de países europeus, se beneficiaram do padrão de beleza que excluía os negros.
“Não sou tuas negas”
A mulher negra como “qualquer uma” ou “de todo mundo” indica a forma como a sociedade a percebe: alguém com quem se pode fazer tudo. Escravas negras eram literalmente propriedade dos homens brancos e utilizadas para satisfazer desejos sexuais, em um tempo no qual assédios e estupros eram ainda mais recorrentes. Portanto, além de profundamente racista, o termo é carregado de machismo.
“Denegrir”
Sinônimo de difamar, possui na raiz o significado de “tornar negro”, como algo maldoso e ofensivo, “manchando” uma reputação antes “limpa”.
“A coisa tá preta”
A fala racista se reflete na associação entre “preto” e uma situação desconfortável, desagradável, difícil, perigosa.
“Serviço de preto”
Mais uma vez a palavra preto aparece como algo ruim. Desta vez, representa uma tarefa malfeita, realizada de forma errada, em uma associação racista ao trabalho que seria realizado pelo negro.
Existem ainda aquelas expressões que são utilizadas com tanta naturalidade que muita gente sequer percebe a conotação negativa que tem para o negro. Por exemplo:
“Mercado negro”, “magia negra”, “lista negra” e “ovelha negra”
Entre outras inúmeras expressões em que a palavra ‘negro’ representa algo pejorativo, prejudicial, ilegal.
“Inveja branca”
A ideia do branco como algo positivo é impregnada na expressão que reforça, ao mesmo tempo, a associação entre preto e comportamentos negativos.